
Na coluna do mês passado, escrevi que devemos ser críticos em relação à imagem de ciência que costumamos receber na escola e pela mídia. Enfatizei que devemos entender a ciência que existe de verdade, a qual não corresponde àquela imagem divulgada, em geral distorcida.
Escrevi ainda que quando se fala assim, há pessoas que têm medo que com isso se esteja incentivando uma postura anticientífica. “Nada mais equivocado”, destaquei lá. Aprofundemos esta discussão.
Quem tem esse tipo de receio é ingênuo ou é conivente, por diversos motivos, com esse agir muito criticável da propaganda enganosa da ciência.
Quando defendemos, nesta coluna, que os profetas de Carnaúba dos Dantas e de outros lugares sejam entendidos e respeitados em sua forma diferente de enxergar e explicar a vida e a natureza, não estamos dizendo que a ciência não possa dar contribuições positivas. Não estamos jogando um contra o outro. Estamos reivindicando equidade epistemológica, já que o que chamamos “conhecimento” é algo que nós, pessoas, construímos.
Estamos dizendo que há outras formas de construir conhecimento e significados, formas igualmente válidas e legítimas. Não podemos aderir à ciência como se fosse o sistema de conhecimento, superior aos outros, que viesse resolver todos os males, porque ela não o é e não o fará.
Com aquele posicionamento estamos querendo abrir espaço, principalmente nas escolas, para que também outros sistemas de construir conhecimento, como aquele que os profetas utilizam, tenham vez. É um sistema que não pode ser reduzido, nem substituído, nem sequer melhorado pela ciência – pois aquele sistema é autoconsistente e completo em si mesmo. O saber que profetas assim constroem é igualmente relevante para nosso sucesso, inclusive em termos ambientais, como já comentei antes.
Não podemos ter na ciência o referencial privilegiado em relação ao qual todas as outras formas de conhecimento serão submetidas e avaliadas. Isto seria adotar o conhecimento tradicional (ou etnoconhecimento) dos europeus antigos – que inventaram a ciência – como superior ou melhor que todos os outros etnoconhecimentos. Não há base alguma para tal adoção! A não ser que seja, de novo, por ingenuidade, consequência da propaganda falaciosa sobre ciência, ou motivação ideológica.
Devemos ter sempre em mente que a ciência também é, ela própria, mais uma etnociência, no sentido de ser construção epistemológica criada sob as contingências características das relações dos seres humanos entre si, com o ambiente, com o simbólico, dentro do referencial de uma cultura.
Quem bem mostrou que o que chamamos ciência, na verdade também é uma etnociência, foi o antropólogo belga, Claude Lévi-Strauss, originalmente em seu livro “O Pensamento Selvagem”.
Portanto, querer submeter os inúmeros outros sistemas de conhecimento – em particular aquele dos conhecedores tradicionais de Carnaúba dos Dantas e de outras partes do Brasil – ao etnoconhecimento de matriz européia (a ciência), é infundado e inadmissível.
Nenhum comentário:
Postar um comentário