O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO RIO GRANDE DO NORTE, através da Promotoria de Justiça da Comarca de Acari (RN), cujo representante abaixo subscreve, no uso das atribuições legais conferidas pelo artigo 129, incisos II e III, da Constituição Federal de 1988, pelo artigo 27, parágrafo único, IV, da Lei 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público) e pelo artigo 69, parágrafo único, “d”, da Lei Complementar Estadual n. 141/96 (Lei Orgânica Estadual do Ministério Público) e,
CONSIDERANDO incumbir ao Ministério Público a defesa do patrimônio público e social, da moralidade e da eficiência administrativas, na forma dos artigos 127, caput, e 129, inciso III, da Constituição Federal;
CONSIDERANDO que são princípios norteadores da Administração Pública e de seus respectivos gestores a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a eficiência (art. 37, caput, da Constituição Federal);
CONSIDERANDO a disposição do artigo 37, inciso II, da Carta Magna de 1988, para o qual a investidura em cargo ou emprego público depende de aprovação prévia em concurso público de provas e títulos, de acordo com a natureza e a complexidade do cargo ou emprego, na forma prevista em lei, ressalvadas as nomeações para cargo em comissão declarado em lei de livre nomeação e exoneração;
CONSIDERANDO que o princípio da impessoalidade impõe o tratamento igualitário aos cidadãos, sendo inadmissível a contratação de qualquer pessoa sem a prévia realização de concurso público, instrumento colocado à disposição da Administração Pública para conferir tratamento isonômico aos interessados na obtenção de qualquer cargo público, afora as exceções constitucionais e, dentre elas, a contratação por tempo determinado (CF, art. 37, inc. IX);
CONSIDERANDO que o princípio da eficiência possui como desdobramento natural o dever da Administração Pública de contratar funcionários mediante concurso público para atender satisfatoriamente às necessidades dos administrados, colocando à disposição do serviço público profissionais gabaritados;
CONSIDERANDO que mesmo nos casos de contratação por tempo determinado (CF, art. 37, inc. IX) afigura-se em conformidade com o sistema constitucional a realização de processo seletivo simplificado como meio de se atender aos princípios da igualdade e eficiência;
CONSIDERANDO que, conforme apurado nos autos do Inquérito Civil nº 019/2014, em trâmite nesta Promotoria de Justiça, a Câmara Municipal de Acari possui pessoas contratadas para prestar serviços desde épocas longínquas, em cargos que denotam natureza permanente e, portanto, sujeitos à regra básica do concurso público, estando a contratação de tais pessoas longe de ser temporária para atender a excepcional necessidade de interesse público, diante do vínculo empregatício perene com elas estabelecido ao longo do tempo;
CONSIDERANDO que os contratados temporários da Câmara Municipal de Acari não passaram por prévio processo seletivo simplificado, e que a quase totalidade dos contratos de trabalho firmados se referem a funções que não estão albergadas pelo art. 2º e incisos da Lei Municipal nº 718/2001, que trata sobre os casos específicos de contratação por tempo determinado, havendo, por exemplo, contratados para o exercício da função de Contador e Auxiliar de Administração, cargos de evidente natureza permanente;
CONSIDERANDO, ainda, que o artigo 37, inciso V, da Constituição Federal estabelece serem os cargos em comissão da estrutura administrativa brasileira destinados apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento;
CONSIDERANDO que no bojo do referido procedimento investigativo supra restou constatado o preenchimento dos cargos de Contador, Auxiliar de Serviços Gerais, Tesoureiro e Assessor Técnico da Câmara Municipal de Acari, por meio de provimento em comissão, este último com nítidas atribuições na área de desenvolvimento, documentação e implantação de quaisquer sistemas de processamento de dados, o que caracteriza flagrante inconstitucionalidade, uma vez que referidos cargos não se prestam a atribuições de direção, chefia ou assessoramento, sendo imprescindível seu provimento por intermédio de concurso público, devido sua natureza de cargo efetivo;
CONSIDERANDO a conclusão a que se chegou após apuração detalhada dos fatos no sentido de que a Câmara Municipal de Acari vem criando cargos comissionados e de natureza permanente por meio de resolução, instrumento jurídico inadequado para tanto, já que todo cargo público deve ser criado por lei em sentido estrito, em afronta aos artigos 48, X, da CF, e 31, IX da Lei Orgânica de Acari, aplicando-se tal vertente do princípio da legalidade também a Municípios, consoante se colhe da jurisprudência do Egrégio Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte;
CONSIDERANDO que as Resoluções nº 001/89 e 004/2013, que reorganizaram a estrutura administrativa e criaram cargos no âmbito da Câmara Municipal de Acari, são posteriores à Constituição Federal de 1988, razão por que deveriam obedecer à obrigatoriedade de lei formal para instituição de cargos públicos;
CONSIDERANDO que o artigo 27, parágrafo único, inciso IV, da Lei Federal nº 8.625, de 12 de fevereiro de 1993, faculta ao Ministério Público expedir Recomendações administrativas não vinculantes aos órgãos da Administração Pública Federal, Estadual e Municipal;
RESOLVE RECOMENDAR ao Excelentíssimo Presidente da Câmara Municipal de Acari que:
A) Sejam adotadas todas as providências necessárias para realização de processo seletivo simplificado, se for o caso, excepcionalmente e apenas até a realização de concurso público a fim manter a continuidade do serviço público, através de contratação temporária e somente nos casos e forma permitidos na Lei Municipal nº 718, de 22 de janeiro de 2001;
B) Sejam adotadas as providências necessárias para o desligamento de todos os servidores eventualmente contratados sem a realização de qualquer espécie de processo seletivo, com contratos de trabalho que venham perdurando no tempo, ou em situações que não se enquadrem em excepcional necessidade de interesse público, nos moldes do preceituado no referido diploma normativo municipal;
C) Sejam exonerados todos os servidores ocupantes de cargos supostamente comissionados, mas que não exerçam atribuições de assessoramento, direção ou chefia, posto que manifestamente inconstitucionais os vínculos públicos estabelecidos nessas condições, com fulcro no artigo 37, V, da CF;
D) Providencie a deflagração do devido processo legislativo e a criação de todos os cargos públicos da estrutura administrativa da Câmara Municipal por meio de lei formal, em observância ao artigo 31, inciso IX, da Lei Orgânica do Município de Acari, anulando, por consequência, as Resoluções nº 001/89 e 004/2013, que dispõem ilegalmente sobre a criação de cargos no âmbito do Poder Legislativo municipal, realizando, ademais, a reorganização da Controladoria Interna e da Procuradoria Jurídica da Câmara através dos devidos instrumentos legais;
E) Promova a realização de concurso público para preenchimento dos cargos da Câmara Municipal que possuam caráter permanente, por serem estes verdadeiramente cargos de natureza efetiva, e não provisória, após a criação dos cargos devidos por lei formal.
Desde já, adverte-se que a não observância desta Recomendação implicará na adoção das medidas extrajudiciais e judiciais cabíveis, devendo ser encaminhada à Promotoria de Justiça informações pormenorizadas quanto à adoção das medidas administrativas para o pleno atendimento da presente Recomendação, ou justificar, de forma detalhada, a impossibilidade de fazê-lo, no todo ou em parte, ao final do prazo de 30 (trinta) dias. Outrossim, o prazo para cumprimento dos itens A, B, C, D é de 90 (noventa) dias, quanto ao item E de 12 (doze) meses até sua ultimação.
Encaminhe-se cópia, por ofício, ao Exmo. Presidente da Câmara Municipal de Acari, como também aos principais veículos de comunicação social desta cidade e assessoria de imprensa do MPRN.
Registre-se. Publique-se. Cumpra-se.
Acari/RN, 11 de junho de 2015.
Mariano Paganini Lauria
Promotor de Justiça
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